quarta-feira, 18 de junho de 2014

Babi



Quem me conhece sabe que os laços que tenho com as pessoas que gosto é sempre estreito e passional. Isso não é diferente com a minha família. Ainda mais porque sou filho único, e sempre fui muito próximo de meus pais.

Esse tipo de convivência meio que me manteve blindado de algumas situações. A morte foi uma delas. Sendo sincero, sempre tentei me manter bem longe desses acontecimentos. Tinha convivido no máximo com um velório na vida, acontecimento inevitável, estranho e difícil de entender.

Por sorte qualquer situação desagradável da vida sempre se resolveu em uma boa conversa com meu pai. Sua calma, seu jeito positivo e confiante de pensar nas coisas, sempre transformou problemas em soluções.

Essa companhia passou por toda a minha infância e adolescência. Por quase 30 anos estivemos apenas à uma porta de distância. Ele, em seu quarto de costura, mesmo que ocupadíssimo com seus ternos de casamento, estava sempre atento à família, às nossas complicações e loucuras da vida. Sem perder nada das notícias do mundo, que formavam suas opiniões calmas e sinceras.

Foi por causa dele que deixei de ser flamenguista, aos 5 anos, e me tornei corintiano, pois "era melhor escolher um time de São Paulo para irmos aos jogos". Foi com essa calma e com um "é o que você gosta" que me tornei professor ao invés de engenheiro, mesmo sabendo os prós e contras da profissão. E foi sempre com uma tranquilidade ímpar que ele me ajudou a enfrentar vários desafios.

E sim, como grande pai, ele nunca me julgou. Respeitou e ajudou para que eu contornasse todos os problemas, todos os grandes erros da minha vida; pensou em primeiro lugar no meu bem estar, mesmo que isso deixasse sua tranquilidade de lado.

O ápice desse zelo foi o Sr. Etevaldo não ter deixado a gente perceber que ele não andava bem de saúde. Muito embora percebêssemos que suas costas já se curvavam, sua pele enrugara e os cabelos raleavam-se, ele continuava sendo o mesmo super herói de sempre.

Foi o que aconteceu quando ele me viu cuidar da saúde, com a corrida diária e com a dieta. Em nossa penúltima conversa, no parque, depois de um treino, meu pai fez quase uma previsão de como as coisas seriam no futuro. Como eu deveria suportar uma mudança de foco, e que talvez o círculo da vida me levasse de volta aos objetivos antigos, porém agora de uma maneira mais dura. Manteve sua postura e disse que o importante era que tivéssemos força para cumprir todos os objetivos.

Conversamos mais uma vez, e nos despedimos. Fui viajar. Acho que ele sabia que sua hora tinha chegado. Em 6 dias meu pai adoeceu, foi para o hospital, voltou para casa e morreu. E provavelmente ele fez questão de que eu não soubesse seu real estado de saúde, para que isso não prejudicasse os meus objetivos. Babi - foi assim que eu o chamei a vida inteira - nos deixou no dia 24 de janeiro, e mesmo dos céus deu um jeito para que eu conseguisse voltar antes do funeral.

Hoje ao entrar em seu quarto de costura, vi, em um canto, seu pano de forrar o balcão, onde ele cortava seus paletós, milhares que ele fez nessa vida. Lembrei exatamente de uma passagem da vida, quando, nos meus 11 anos de idade, ele saiu para fazer uma cirurgia e ficou 3 dias fora. Foi impossível não sentir-se uma criança, porém naquela época tinha o conforto de saber que ele estaria de volta.

Agora nem sua máquina e nem ele estavam mais lá. E nem mais o seu "alô" quando eu discar "casa" de meu celular, muito menos o seu "Vai com Deus", frase que eu sempre ouvi antes de sair para qualquer lugar do mundo. Por sorte, e acho que porque você sempre pensou em mim antes de qualquer coisa, essas foram as últimas palavras que ouvi de você, meu melhor amigo.


Te amo meu pai.


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Entrando no eixo



E levantar-se naquela manhã, que não era bem de manhã, já não era mais tão difícil. Sentiu-se despertando para uma nova vida. Os pensamentos de sempre já não eram mais os de sempre! Sua oração matinal daquele dia substituiria os fantasmas em que ainda pensava.

A obrigação de fazer as coisas na mesma ordem já não tinha mais sentido:
- Pra que ordem mesmo? Pensou enquanto sorria.

Esqueceu-se que tinha um compromisso naquele dia. Sorriu novamente, enquanto olhava para o céu cinza, onde o sol tentava rasgar as nuvens e esquentar o comecinho do inverno. Pra ele o calor não era necessário, já sentia-se agradavelmente aquecido para enfrentar qualquer temperatura.

Lembrou-se do dia anterior. E do vinho daquele jantar - que há tempos não tomava com tanto gosto - e acompanhou o melhor dia de sua nova vida, o primeiro.

Junto com eles, o sorriso de um encontro inesquecível. Uma mocinha com sorriso de moleca, de uma beleza e alegria estonteantes fizeram com que ele quisesse estar ali pra sempre. Teve certeza que era o seu primeiro encontro.

Esqueceu-se que estava rodeado de pessoas, elas não o incomodavam mais. Conversaram sobre tudo, ele se interessou por tudo. Em algum momento do jantar ele apenas a olhou, porque era o momento de maior alegria para ele em muito tempo: olhar para ela. Também notou seu perfume delicioso, que tornaria aquele dia mais do que especial: inesquecível.

Lembrou-se, após algum tempo, das cicatrizes e arranhões escondidos de uma vida, que agora aflorariam e sumiriam em segundos. Sentiu-se de alma lavada quando notou que não era mais necessário pensar no que acontecera até ali. Tudo foi pra muito longe.

Tinha esquecido de como era sentir-se bem. Porém a mocinha do olhar delicadíssimo, do sorriso mais lindo e da companhia mais agradável fizeram-no se lembrar: era hora de se apaixonar...


Não como se fosse a primeira vez, mas sim como a melhor delas.