quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O dia que paguei pra não dar aula




Amigo leitor, ainda não comentei sobre esse segmento da minha vida, mas além de empresário também sou professor de matemática. E esses 15 anos de profissão têm sido deliciosos, lecionar é realmente algo fascinante, porém às vezes nos produzem situações além da imaginação.

Em 1999 passei por todos os crivos até me tornar professor de cursinho. E a parte mais rasa do caminho é o plantão de dúvidas. Até que no começo de carreira, quando se está na faculdade precisando de uns trocados, é legal, conhecemos muita gente e – isso tenho que reconhecer – aprende-se muito.

O grande problema é que depois de algum tempo (curto), nos tornamos apenas alguém com uma capacidade incrível... De decorar exercícios! Principalmente porque em um dia de plantão resolvemos o mesmo exercício centenas de vezes.

E acho que foi nessa época que aconteceu o episódio mais surreal da história. Segunda-feira chuvosa, de uma manhã com prova na faculdade. Quando se acha que o pior pode ser o atraso para o trabalho, o prego no pneu nos dá a certeza de que aquele dia não terminaria bem.

Uma hora pra trocar. Claro que havia saído de roupa clara, senão qual a graça? Cheguei duas horas atrasado, todo sujo e morrendo de fome (note que para um gordo isso é absolutamente relevante). Mesmo assim lavei as mãos, respirei fundo e sentei, sabia que a fila me aguardava.

Meu primeiro algoz do dia. Um rapazinho louro cheio de espinhas, acompanhado de umas amiguinhas jogou seu livro sobre a minha mesa e bradou:
- Faz esse exercício 31 aí!

Confesso que devia ter deixado passar, mas não deu:
- Você não sabe dizer boa tarde?
- Faz logo, que eu estou pagando.

Quando se está no fundo do poço, qualquer atitude pior já não fará mais efeito. E como eu já estava lá mesmo, achei que era hora de manter minha dignidade:
- Amigo, quanto seu pai paga de mensalidade?

Apesar de contrariado, o aprendiz de insuportável respondeu. Por alguns minutos me controlei, expliquei calmamente quantos funcionários havia na empresa, fiz algumas estimativas de gastos da escola (completamente erradas), mais algumas contas e finalmente:
- Sua contribuição no meu salário deve ser de aproximadamente 1 real.

A única coisa boa daquele dia era aquela nota de 1 no bolso de minha calça creme suja de graxa. Não tive dúvida:

- Tome. Pode ir embora!


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Histórias da Carabina



Não sou um atleta. Até que em 1999 eu estava em forma, mas nunca fui daqueles que trocavam um bife à parmegiana por uma salada, nem fazia da hora de almoço uma hora de academia.

Sou alucinado pelo futebol, mas definitivamente a prática sempre foi algo trágico. Desde criança eu era o garoto que ia arrancar a tampa do dedão, ou chutar a bola na casa da vizinha. Vidro então, quebrei todos da rua.

Mas, por algum motivo, acreditei que na faculdade fosse realmente dar certo. Talvez pelas peladas de sexta-feira à tarde, ou pelas qualidades futebolísticas dos amigos, em especial um deles.

Marcelo Burani, o Suza - ele é de Suzano - tornou-se um de meus grandes amigos da faculdade e da vida. Seu jeito ponderado de encarar as coisas é uma virtude que, reconheço, ainda não consegui adquirir. Hoje em dia, trabalhamos juntos, e ainda é comum eu explodir em algumas atitudes e ouvir dele apenas uma palavra:
- Calma.

No futebol não era diferente. Sua colocação em campo, a cabeça erguida e os passes de primeira eram o diferencial daquele time do 3º ano. O título do campeonato entre as diferentes turmas da engenharia química, a Taça Carabina, seria maior que qualquer título mundial. E eu seria o goleiro!

Muitos conselhos ouvi do Suza. Postura, nada de afobação pra se jogar nas bolas, calma. Dedicamos nosso tempo livre aos treinos, marcamos 2 jogos amistosos e ganhamos. Ninguém nos tiraria aquele campeonato.

E veio o primeiro domingo de maio, a estreia. Aquela quadra de futebol society era meu Maracanã. Todas as atenções pro clássico contra o 5º ano.

Se Osmar Santos estivesse ali:
- Apita o árbitro, começa a competição mais importante do futebol mundial!

Só que não. Primeira bola, corre pela lateral um dos trogloditas do 5º ano. Talvez ele nem chutasse, mas mesmo com dois zagueiros do nosso time na bola, saí como um louco desesperado até quase no meio do campo. Aquela deslizada com a perna pra cima, os gritos e a bola grudada na grade ainda me arrepiam. Dois minutos de jogo e eu estava expulso.

Aquele dia, pela primeira vez, o Suza olhou pra mim, mas não disse nada. Tenho certeza que foi melhor. E frente à certeza de que perderíamos o campeonato mais ganho da faculdade, ir embora e encerrar minha carreira futebolística pra sempre foi definitivamente minha única decisão acertada daquele dia.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eu te amo


Por mais que existam novas e modernas manifestações de amor, nenhuma é tão completa como o “eu te amo”. Na verdade não que a palavra pela palavra seja algo inteiramente único (em alguns casos é), mas é a complementação perfeita de todo um sentimento, um envolvimento, uma vida a dois.

Que seja de repente, às vezes sem querer. Ouvir um “tchau, te amo” inesperado pelo telefone pode ser o início do maior amor de sua vida.

Já o beijo só torna-se pleno se vier antes ou depois do “eu te amo”. O beijo apaixonado nos transporta para qualquer lugar fora desse universo, é o parceiro número um do amor. Beijar sem amor é como andar sobre vidro quebrado, nem sempre é bom seguir.

O simples fato de saber que ama, e é amado, não importa a maneira que isso foi demonstrado, torna qualquer gesto diferente. Mesmo um afago na cabeça em um dia cinza de trabalho vira algo esplêndido. Um abraço, mesmo que em um simples cumprimento, pode eternizar aquele momento. Afinal, estamos com quem é mais importante em nossas vidas.

Tem gente que passa a vida esperando ouvir um “eu te amo”, mesmo que esteja há anos com alguém. Eu não acredito nesse tipo de sentimento. Mesmo que seu coração diga “siga até o final”, você estará sempre atrás na fila.

Mas a situação inversa, mesmo que surreal às vezes, é algo que pode ser maravilhoso. Preferia estar distante por anos, mas ouvir um “amo você” a cada dia da minha vida, nem que fosse por uma cartinha escrita em folha de rascunho, ou uma declaração atrás de uma foto, porque sei que, mesmo distante, o amor já aconteceu.

E se você já disse “eu te amo” e foi correspondido, já sabe que a partir desse momento vai andar à beira do precipício, vai dormir na chuva e ver seus dias com a pessoa amada diminuírem de 24 pra umas 5 ou 6 horas, de tão rápido que o tempo passa.

Desculpe-me, amigo leitor, por terminar novamente um post com uma canção, mas acho que a música é uma das traduções mais maravilhosas do "eu te amo". E acho que Percy Sledge sentiu tudo isso quando compôs e cantou essa canção, provavelmente depois de ter ouvido um “amo você”.




domingo, 27 de janeiro de 2013

True!



Quem tem mais de 30 anos assim como eu passou pelos incríveis anos 80, que pra mim são um capítulo a parte da história do mundo. Além dos cabelos no máximo do estilo wet look e das ombreiras, as gírias daquele tempo eram algo surreal.

Era comum ouvir os termos bacana, da hora e bagaça (esse pra mim é o melhor de todos, porque podia significar qualquer coisa). Mas nenhum foi mais significativo do que o true. Por algum motivo desde aquela época adotamos essa gíria como uma de nossas favoritas.

Quem me conhece sabe que eu sou a pessoa que mais usa a palavra true no universo. Na verdade o conceito real nem está tão aplicado ao significado real da gíria. Segundo o Adriano, o conceito correto seria Tru. Diria ele:
- Vini, e esse bife à parmegiana, hein? Tru!

E como é bom ter vários conceitos true na vida. A vida propriamente dita é algo true. Ou quando você levanta na terça-feira chuvosa atrasado, olha na janela e vê que é feriado. Muito true!

Quando Freddie Mercury diz que “1 ano de amor é melhor que uma vida inteira sozinho” não há quase nada tão true. Talvez só receber um recado no meio da noite dizendo: “Eu me importo com você”. Já o “eu te amo” é true insuperável.

True também pode significar algo completamente verdadeiro. Como por exemplo no show do New Order, em 2005, quando o baixista me viu no segundo dia de show no mesmo lugar do primeiro, à sua frente. E ao invés de jogar as baquetas (não estou louco, ele estava tocando uma bateria eletrônica nesse momento) ele as entregou em minha mão. Algo totalmente true.

Ou ainda saber que o true é quando acontecer, e não se acontecer.

E pra terminar, algo mais do que true. O Spandau Ballet, um ícone dos anos 80, com seus cabelos true, tocando TRUE!



Amigos leitores, e como o true é quase um best-seller na minha curta carreira de escritor, nada mais justo do que renomear o blog. A partir de amanhã, o M&Ms vai virar True!

Estaremos no www.true-marcosvini.blogspot.com.br. Muito obrigado pelos 30 dias de companhia true.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Histórias de Kikovina

Quem me conhece sabe que eu sou alucinado pelos animais, o amor que eu tenho por essas criaturas é maior do que eu tenho por muita gente.

Ter um animal de estimação – eu só tive cães até hoje – é ter um membro da família em sua casa, com a seguinte diferença: eles não brigam, não te julgam, serão fiéis a você todo o tempo. E eles sabem quando a gente precisa de um carinho, mesmo antes de nós mesmos.

Amigo leitor, você que lê meus textos já deve ter visto essa foto aí de cima na capa do meu blog. Hoje alguém me perguntou se essa é minha cachorrinha. Essa era a Kika, foi minha melhor amiga de 2000 a 2006. Será difícil terminar este post sem chorar (muito), mas vale a lembrança das histórias dessa figurinha preta e branca.

Em um domingo do ano 2000, apareceu na minha porta um cachorrinho marrom. Minha mãe que também ama os animais o alimentou e notou que a bichinha (já havíamos descoberto que era uma menina) estava morrendo de frio. Dona Rosa não teve dúvida, mandou o cachorro pro chuveiro, e aí que descobrimos, era branca a vira- latinha.

E não é que essa figura já começou aprontando? Me mordeu, rosnou pro meu outro cachorro, o Flipper, e fugiu pela casa. E foi demitida de seu lar postiço.

Depois de três dias, reaparece a bichinha na porta. Fazia frio, e a chuva cortante também cortou nossos corações. Não tivemos dúvida, ela teve sua segunda chance. Foi o melhor presente de nossas vidas. Kika ganhou um nome e 6 anos de amor.

Algumas histórias da Kikovina ainda não me saem da cabeça quando vejo algum cachorro preto e branco. Como a do dia em que meus pais chegaram do supermercado com o almoço comprado. Bastou um deslize de minha mãe e aquelas 300 g de pernil ao molho voaram da mesa. A malhadinha pegou no ar, deve ter agradecido a todos os cachorros do céu por aquele presente. Passou o domingo mais feliz de sua vida.

Ou ainda em um dia em que a enchente na rua adentrou a garagem de casa. E o cachorro havia desaparecido. Triste surpresa ao vê-la nadando tranquilamente no meio da água barrenta. Minha mãe quase enfartou, mas até hoje morremos de rir.

Essa baixinha, fã de Teletubbies (sim, ela adorava), ficava louca quando as visitas de casa sentavam em seu sofá. E quantas e quantas noites ela fez companhia a meu pai, em suas intermináveis jornadas de entrega de ternos de casamento.

Em 2006 Kika nos deixou. A branquinha teve sopro, doença que aumenta o coração de tamanho. O músculo foi prejudicando sua traqueia, sua respiração tornou-se pior a cada dia, até que no dia 22 de abril nos disse “até logo”. Não sem antes passar algumas horas em todos os cômodos da casa e me esperar da volta do trabalho para morrer.

Segundo minha mãe, eu fiquei atônito, só lembro de não ter conseguido estacionar o carro na garagem de casa naquela noite. E antes que eu chore mais do que já estou, até gostaria de postar mais fotos, mas infelizmente só tenho essa, e a lembrança de ver seu corpinho encaixado entre minha cama de solteiro e a parede todas as noites. Na verdade, acho que ainda ela está lá.







sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

How can I go on


E como em geral - segundo meus amigos - sou uma pessoa contida, vou deixar pro Freddie Mercury  dar o tom dessa sexta feira. Aliás, eu acho que ele sabia desde os anos 80 o tom desse dia...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O prudente



Estranhamente mudou os hábitos. Naquele fim de ano no Caribe, sentou-se na varanda do resort e fez planos... de fazer planos.

Chegou em casa, montou planilhas, definiu metas, resolveu que iria trocar o apartamento. Viagens? Só com programação de um ano, no mínimo. Dívidas de cartão então, nem pensar.

Conversou com o patrão para aumentar seu número de horas extras no trabalho, já que seu happy hour era semanal e não mais diário. Afinal, era mais prudente.

Começou a correr três vezes por semana, ao invés de duas, e deixou a companhia fiel dos amigos de parque, pois todo domingo eles comiam uma massa. E isso não era prudente.

Vendeu sua coleção de carrinhos matchbox que tinha desde 1983, pois julgou que o dinheiro daquelas recordações de infância valeriam mais do que o espaço ocupado na casa de seus pais. Isso sim era prudente.

Porém, veio o acaso. E conheceu a moça dos seus sonhos. Linda, especial, muito à frente de seu tempo. Apaixonou-se. Mas era sua colega de repartição. Lutou consigo mesmo a cada dia para não encontrá-la mais, até mudou de turno. Seus pensamentos ainda o traíam, mas tentou ser forte e nem sonhar com ela. Porque definitivamente isso não era prudente.

E naquele 11 de outubro na sua volta pra casa pelo mesmo caminho de todos os dias - afinal, ele não iria viajar naquele feriado – encontrou-a, e ela não era tão prudente. O acidente foi inevitável.

Nesse último mês o irmão se mudou para o apartamento recém-comprado para acompanhar as reformas e vender. As passagens pra Europa chegaram pelo correio, programadas para abril do ano seguinte. Estão tentando ainda transferir pros seus pais.

Aquele apartamento alugado no Largo do Machado, no Flamengo, sua demissão no emprego e a transferência dela para um cargo menor encheram-no de dívidas, nem um pouco prudente. E ele é feliz, muito feliz.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A zona da amizade

Amou. Como nunca. Não era seu primeiro, mas certamente o maior amor. Sabia que ao lado dela passaria toda sua vida. Agradeceria a cada dia por tê-la conhecido naquela festa que não queria ir.

A troca de olhares e a conversa, intermediada pelo colega de classe dela era a melhor coisa que já lhe havia acontecido. Foi uma questão de tempo, pouquíssimo tempo.

Os telefonemas tornaram-se diários, sempre depois daquela série que se passava nos anos 60, e adoravam. Amava encontrá-la, linda como sempre. Os encontros frequentes o faziam sorrir como nunca. Tudo ia maravilhosamente bem.

Assim passava-se aquele verão. Cada conversa sobre assuntos que ele não conhecia era maravilhosa. Mostrou-lhe o rock’n’roll, passou a amar Genesis por causa de Follow You, Follow Me naquele jantar. Ela, mais velha, cheia de sonhos e metas. Ele, um aprendiz quase fanático.

Sentiu que era a hora de declarar seu amor sem fim, mas não o fez. Talvez em um próximo momento. Nada. Dela, um afago, um abraço, era hora de beijá-la. Deixou passar.

E nem o acaso, que geralmente costuma ajudar, talvez não se conformasse. Entraram na pior fase do relacionamento, pelo menos pra ele: a zona da amizade. Implacável, um buraco negro. Uma vez nela, jamais se sai.

Feito! Os assuntos já eram diferentes, comentou que iria com um amigo da faculdade à ópera. Ele se roeu. E o tiro de misericórdia:

- É tão bom ser seu amigo!

Chorou feito criança aquela noite, ouvindo as músicas que eles adoravam.

Viu o cara da ópera na casa dela: chorou. Viu o cara da ópera de mãos dadas com ela em sua festa de aniversário: perdeu o chão. Continuaram amigos, talvez soubesse que vê-la, mesmo nessas condições, fosse um alento.

Ainda tentou demonstrar sua paixão por ela mais algumas vezes, em vão. Se afastar poderia ser um remédio, mas não conseguiu. Encontraram-se anos depois, talvez agora o amor explodisse, mas a zona da amizade não tem prazo de validade. Mais um encontro flat.

E 20 anos depois - mesmo sabendo que uma vez atingido pelo mal não há volta - olha aquelas fotos guardadas junto das suas coisas de colégio com amor, um bocado de amor. Ainda que lhe tirem o chão.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Quanto tempo?


- Viver é bom! - adoro isso, sempre que o Adriano me fala.

E eu gostaria de complementar: a vida é boa.

E boa por um único motivo: temos tempo.

Mesmo se nos restar um dia, é muito bom ter esse tempo pra viver. Se até hoje achamos que não valeu a pena, basta dar a cara pro vento, olhar pra frente e seguir, afinal, ainda dá tempo.

Se achamos que valeu a pena, também é ótimo. Podemos viver todo o resto da vida guardando as lembranças boas e tentando mantê-las, porque temos tempo.

Mesmo tendo gente que queira parar no tempo, eu prefiro seguir. E, matemático que sou, adoro não poder mensurá-lo. A única coisa que sei: quanto mais tempo, menos experiência e menos inocência me resta.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Chinelo, o empresário



Terceiro ano de faculdade. Seu curso não metia mais medo, as matérias eram difíceis, mas ele sabia que aguentaria. O cabelo comprido e a namorada que fazia biologia o encorajavam ainda mais a acabar logo com o curso. Ainda mais agora que havia comprado um carrinho usado com o dinheiro das aulas particulares, sabia que precisava seguir logo o caminho do trabalho.

E o melhor de tudo, havia se livrado de seu companheiro – sua pedra no sapato, na verdade – Chinelo, aquele cara que achava que pra passar na faculdade era só dar um jeitinho, fazer qualquer coisa bizarra nas provas e se dar bem no fim do semestre.

Sua primeira impressão é que aquele ano não seria difícil, apesar da recomendação e da quantidade de veteranos que faziam as matérias pela segunda vez. Havia gostado em especial de um professor. Sua filosofia era interessante:

- O mais importante da minha matéria é que o aluno saiba se sobressair às dificuldades. É somente isso que ele precisa para crescer em uma grande empresa.

Assim começou. Ele percebeu que os que faziam o curso novamente estavam certos. Cálculos, planilhas de custo e receita, impostos etc. 2 semanas e ele estava na mesma situação de sempre. Não sabia nada. 1,5 na primeira prova:

- Professor, estamos tendo muitas dificuldades com sua matéria nesse semestre, o senhor poderia nos ajudar?
- Caro amigo, lembre-se: o mais importante é que o aluno saiba se sobressair às dificuldades encontradas. Pense nisso.

Tentou se sobressair, mas não deu. Foi enterrado! 1,5 novamente. E pra piorar encontrou no dia da prova o Chinelo: - Calma, nessa matéria tudo se resolve, eu mesmo nem me matriculei esse ano porque é tudo muito tranquilo...

Seu misto de raiva e desespero o acompanharam até a terceira prova. Naquela manhã desmarcou suas aulas particulares, juntou-se com os amigos na biblioteca. Ganhou confiança: - Agora vai.

Novamente da série tradicional não se sabe por que acontece: faltando 20 minutos pra prova, aparece o Chinelo, completamente preocupado:
- Acabei de descobrir que estou matriculado nessa matéria! Você pode me ensinar, que tal?

Riu. Gargalhou. Como conseguiria em 20 minutos? Porém sua quase vocação de professor não ia deixar o rapaz da sandália:
- Vamos fazer juntos esse primeiro exercício. O que você conseguir associar com a prova está ótimo!
- Maravilha, vou decorar esse exercício na íntegra.

Claro que ele sabia que não ajudaria, mas a cara de felicidade do descalçado era evidente, nem valeria a pena contrariá-lo.

E chegou a hora. Pelas caras de todos aos 10 minutos de prova já soube. Era zero na certa. Ao ler a prova, resolveu que era melhor esperar o tempo mínimo pra sair e entregar em branco, seria menos humilhante.

Estranhamente o Chinelo fazia a prova loucamente. E escreveu muito, pediu até uma folha adicional. Foi o último a sair. Saiu feliz, com a cara do empresário que fechou seu maior negócio da vida.

Dia de entrega de notas. Até o gato de estimação da faculdade estava triste. Sabia que não havia conseguido. Ouviram o sermão:

- Gostaria de dizer que muitos de vocês não souberam se sobressair às dificuldades, por isso não conseguiram passar. Porém preciso fazer uma menção honrosa a esse rapaz, que terá um futuro brilhante em qualquer empresa. E apontou o Chinelo.

- Você, meu filho, será um dos maiores. Qualquer dificuldade será vencida, gosto muito de seu estilo. Nota 10!

Eis a prova do sem sapato: Professor, esse exercício da prova eu não sei, mas esse aqui eu sei. Copiou o enunciado e a resolução do problema que havia aprendido 20 minutos antes. O professor amou, achou que isso sim era a demonstração de força do futuro empreendedor.

Mais uma matéria perdida. E o valeu pela ajuda, hein! ? Teve certeza que deveria ter virado hippie...

sábado, 19 de janeiro de 2013

Pro gol?





Quando se é filho único, sua infância é um pouco diferente da tradicional. Não é sempre que temos alguém todo o tempo em casa, como aconteceria na presença de um irmão. Quando ouço histórias de irmãos geralmente acho muito interessante, pois é algo que nunca vi na vida.


Mas não é isso que impede que sua infância seja cheia de histórias e lembranças. Como meu pai sempre trabalhou em casa – ele é alfaiate – muitas das peripécias que aprontei tive o Babi do meu lado.

Essa semana, ao procurar um livro no meu armário, encontrei minha coleção de jogos de botão. E vê-los há quase 20 anos sem uso me trouxeram um misto de nostalgia e alegria ao saber que esse divertimento atravessou minha infância e boa parte da adolescência.

Jogar botão era o meu divertimento favorito há 25 anos. E talvez tenha se tornado o predileto porque também foi o de meu pai quando criança. Suas histórias de como criar os botões com vidro de relógio e botões de paletó eram fascinantes. E, em meados dos anos 80, uma vez ele me trouxe dois jogos novinhos, comprados na feira de domingo. Pronto, paixão instantânea.

O futebol de mesa virou uma febre da infância. Comecei a colecionar os times, os botões que comprava já não eram os da feira, e sim algo mais oficial. É claro que tinham os preferidos, os que davam sorte, e os que não gostávamos. Organizar campeonatos era a minha parte favorita, todas aquelas tabelas talvez tenham me levado, mesmo que inconscientemente, à carreira de exatas.

O mais interessante, porém, é que recordo com mais saudades dos fatos que antecediam os clássicos do futebol de mesa. Como meu pai sempre trabalhou até tarde, os encontros futebolísticos aconteciam aos sábados, dia que ele encerrava suas atividades mais cedo. E eu, como desesperado que sempre fui, desde o final da tarde já organizava todos os botões do dia, limpava o campo, separava as tabelas e fazia as estatísticas da rodada anterior.

Lembro que ficávamos sentados em seu quarto de costura conversando sobre todos os assuntos, desde o Corinthians até as noticias que ele ouvia – e ainda ouve – em seu rádio Motoradio que quase sempre o acompanhou (agora ele tem um novinho que veio do Japão).

Com o passar dos anos os botões ficaram pra trás, empoeirados, ásperos, sem vida. Talvez minhas conversas com o Babi também tenham ficado menos frequentes, e um pouco empoeiradas. E como hoje é sábado já me decidi. Talvez não haja jogo, mas vai ser uma delícia levar aquela caixa cheia de botões e sonhos infantis pra seu quarto de costura, deixar tudo preparado, ouvir seu rádio novo, as contratações do futebol, e principalmente, seus conselhos preciosos e ponderados que me fizeram, de maneira muito eficiente, o homem de hoje.