Por algum motivo saiu. Não
deu explicações, não era mais necessário. Deixou seu carro, todas as guerras do
trânsito, toda a bagunça da cidade e apenas caminhou.
Em seus pensamentos, a
lembrança do salmo 40, seu preferido. Era perfeito para aquela tarde de
inverno, a mais fria de todas que já tinha visto. Deixou a garoa bater em sua
cara como se cada gota o levasse a um mergulho em águas bem profundas.
Sentiu que ainda estava fora
do passo, precisava ter convicção nesse momento. Concentrou-se e caminhou,
antes que seu tempo se esgotasse.
Poderia ter andado por
horas. O fim de tarde se aproximava e a neblina de que ele tanto gostava tinha
chegado. Lembrou-se de um domingo muito especial e nostálgico, quando viu
a luz amarela de uma fabrica cortar o denso ambiente daquele começo de
noite. Era algo que desejou ter por muitos anos.
Enfim, parou. Desejou
esperar ali até a manhã e a neblina do dia seguinte. Viu do topo de
uma encosta um fio d’água que caía e corria ao lado de uma linha de
trem. Ficou inerte ao notar uma composição passar embaixo de uma
passarela, onde uma criança acenava a um maquinista sisudo, que nem a olhou.
Decidiu seguir por ali,
percebeu que cada trem que passava levava alguns anos passados de sua vida.
Notou que junto com eles ia embora um fantasma diferente, daqueles que
colecionou por muito tempo. Teve certeza de que só voltariam se ele realmente
quisesse.
Conseguiu livrar-se de
algo que realmente o atrapalhava. Agora não fazia mais diferença o que as
pessoas pensavam, ou julgavam, ou em que prestavam atenção. E sim aquilo que
ele via, todos os mínimos detalhes que deixara passar por vários momentos,
inclusive o olhar para seu próprio eu.
E ao mesmo tempo que seguia
no sentido contrário das plantas que o vento movimentava, teve a percepção de
que naquele momento algo o conduzia para o que era, na realidade, o sentido
correto. E que a neblina que o ofuscava, já não era mais
tão densa, era confortável como o primeiro olhar depois do emergir
das águas turvas de um mar poluído.
Era hora de seguir, dessa
vez pela trilha certa. Livrou-se das blusas e do inverno que o
acompanhara, a partir de agora eles não serviriam mais para nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário