quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Apenas uma tarde de inverno


Por algum motivo saiu. Não deu explicações, não era mais necessário. Deixou seu carro, todas as guerras do trânsito, toda a bagunça da cidade e apenas caminhou.

Em seus pensamentos, a lembrança do salmo 40, seu preferido. Era perfeito para aquela tarde de inverno, a mais fria de todas que já tinha visto. Deixou a garoa bater em sua cara como se cada gota o levasse a um mergulho em águas bem profundas.

Sentiu que ainda estava fora do passo, precisava ter convicção nesse momento. Concentrou-se e caminhou, antes que seu tempo se esgotasse.

Poderia ter andado por horas. O fim de tarde se aproximava e a neblina de que ele tanto gostava tinha chegado. Lembrou-se de um domingo muito especial e nostálgico, quando viu a luz amarela de uma fabrica cortar o denso ambiente daquele começo de noite. Era algo que desejou ter por muitos anos.

Enfim, parou. Desejou esperar ali até a manhã e a neblina do dia seguinte. Viu do topo de uma encosta um fio d’água que caía e corria ao lado de uma linha de trem. Ficou inerte ao notar uma composição passar embaixo de uma passarela, onde uma criança acenava a um maquinista sisudo, que nem a olhou.

Decidiu seguir por ali, percebeu que cada trem que passava levava alguns anos passados de sua vida. Notou que junto com eles ia embora um fantasma diferente, daqueles que colecionou por muito tempo. Teve certeza de que só voltariam se ele realmente quisesse.

Conseguiu livrar-se de algo que realmente o atrapalhava. Agora não fazia mais diferença o que as pessoas pensavam, ou julgavam, ou em que prestavam atenção. E sim aquilo que ele via, todos os mínimos detalhes que deixara passar por vários momentos, inclusive o olhar para seu próprio eu.

E ao mesmo tempo que seguia no sentido contrário das plantas que o vento movimentava, teve a percepção de que naquele momento algo o conduzia para o que era, na realidade, o sentido correto. E que a neblina que o ofuscava, já não era mais tão densa, era confortável como o primeiro olhar depois do emergir das águas turvas de um mar poluído.

Era hora de seguir, dessa vez pela trilha certa. Livrou-se das blusas e do inverno que o acompanhara, a partir de agora eles não serviriam mais para nada.





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